A Ophicina de Arte & Prosa aponta os caminhos para publicar o seu livro, do seu e do nosso jeito. Se seu sonho é escrever, nosso negócio é publicar.
domingo, 5 de julho de 2009
Lançamento em São Vicente de Minas-MG
A Ophicina de Arte & Prosa convida seus amigos e leitores para o lançamento de
O tempo eternizado. A conferência dos séculos de
Sandra Lucinda
Em São Vicente de Minas - MG,
na BibliotecaPública,dia 11 de julho de 2009 - a partir das 17 horas.
Aproveite para conhecer as belezas e a hospitalidade
de São Vicente de Minas.
LEMBRANÇAS DA MORTE
Marco Antônio Vieira Paschoal
Naquele tempo, Ipatinga era quase nada. Ruas sem calçamento, poeira na seca, lama na temporada de chuvas, porcos e galinhas zanzando de um lado para o outro. Coronel Fabriciano era o centro comercial da região. Para lá corria o dinheiro. Bastava olhar o tamanho da zona boêmia! Não existia cidade próspera sem um grande puteiro.
Dão morava em Ipatinga, mas foi morto em Fabriciano. Por um cabo da polícia. Seis tiros nas costas! Meia dúzia. Dão tinha tomado a arma do cabo, quando este batia em um mendigo, em Ipatinga, e lhe dera uma bela de uma surra! Dão era assim mesmo, conhecido por sua valentia, seu destemor. Naquela época, não se usava limar a alça de mira dos revólveres. Por sorte, também não era usual enfiar o cano da arma no rabo de ninguém. Sorte do cabo, claro!
Dão era casado com Maria de Dão, e seus filhos eram os filhos de Dão. Ou de Maria de Dão. Tudo pequeninho, ainda.
No dia seguinte, na carroceria do caminhão de leite, Dão foi para Coronel Fabriciano. Ia dar queixa do cabo. O caminhão parava pertinho do Hospital Siderúrgica e lá estava o cabo, só esperando. Como ele sabia que Dão estava naquele caminhão, eu não sei! Mas ele sabia e, chegando perto, gritou:
– Desce, João Valentino!
João Valentino era o Dão, que não se fez de rogado e providenciou descer da carroceria, do jeito que todo mundo desce: de costas, pisando no pneu, antes de botar o pé no chão da rua. E aí, antes de botar o pé no chão, levou seis tiros nas costas. E não morreu na hora! Foi carregado para o hospital, operado e morreu de madrugada.
A notícia chegou depressa na casa do irmão, “seu” Zeca. E as filhas de Zeca saíram chorando e correndo por uma rua empoeirada e escura, uma delas com um menino agarrado em sua saia, esforçando-se para não ser deixado para trás. Era eu.
Lembro-me da escuridão, do assombro, do medo. Do choro gritado, das lágrimas derramadas. E do caixão na sala de casa, todo mundo falando baixo, os homens com chapéus nas mãos, as mulheres de véus nas cabeças, puxando o terço. Na cozinha, café quente, bolo e biscoitos. Na sala, o cheiro das velas, disputando com o do café.
Dão foi enterrado, o cabo sumiu. A Usiminas ficou sediada em Ipatinga. Ipatinga cresceu um absurdo! Dão virou nome de rua. Aliás, de avenida: Avenida João Valentino. Imagine só! Nome de rua, em Ipatinga! Irmão de meu pai. Meu tio. Não me lembro dele. Não conheço a rua. Mesmo assim, conto a história. E recrio o herói.
Naquele tempo, Ipatinga era quase nada. Ruas sem calçamento, poeira na seca, lama na temporada de chuvas, porcos e galinhas zanzando de um lado para o outro. Coronel Fabriciano era o centro comercial da região. Para lá corria o dinheiro. Bastava olhar o tamanho da zona boêmia! Não existia cidade próspera sem um grande puteiro.
Dão morava em Ipatinga, mas foi morto em Fabriciano. Por um cabo da polícia. Seis tiros nas costas! Meia dúzia. Dão tinha tomado a arma do cabo, quando este batia em um mendigo, em Ipatinga, e lhe dera uma bela de uma surra! Dão era assim mesmo, conhecido por sua valentia, seu destemor. Naquela época, não se usava limar a alça de mira dos revólveres. Por sorte, também não era usual enfiar o cano da arma no rabo de ninguém. Sorte do cabo, claro!
Dão era casado com Maria de Dão, e seus filhos eram os filhos de Dão. Ou de Maria de Dão. Tudo pequeninho, ainda.
No dia seguinte, na carroceria do caminhão de leite, Dão foi para Coronel Fabriciano. Ia dar queixa do cabo. O caminhão parava pertinho do Hospital Siderúrgica e lá estava o cabo, só esperando. Como ele sabia que Dão estava naquele caminhão, eu não sei! Mas ele sabia e, chegando perto, gritou:
– Desce, João Valentino!
João Valentino era o Dão, que não se fez de rogado e providenciou descer da carroceria, do jeito que todo mundo desce: de costas, pisando no pneu, antes de botar o pé no chão da rua. E aí, antes de botar o pé no chão, levou seis tiros nas costas. E não morreu na hora! Foi carregado para o hospital, operado e morreu de madrugada.
A notícia chegou depressa na casa do irmão, “seu” Zeca. E as filhas de Zeca saíram chorando e correndo por uma rua empoeirada e escura, uma delas com um menino agarrado em sua saia, esforçando-se para não ser deixado para trás. Era eu.
Lembro-me da escuridão, do assombro, do medo. Do choro gritado, das lágrimas derramadas. E do caixão na sala de casa, todo mundo falando baixo, os homens com chapéus nas mãos, as mulheres de véus nas cabeças, puxando o terço. Na cozinha, café quente, bolo e biscoitos. Na sala, o cheiro das velas, disputando com o do café.
Dão foi enterrado, o cabo sumiu. A Usiminas ficou sediada em Ipatinga. Ipatinga cresceu um absurdo! Dão virou nome de rua. Aliás, de avenida: Avenida João Valentino. Imagine só! Nome de rua, em Ipatinga! Irmão de meu pai. Meu tio. Não me lembro dele. Não conheço a rua. Mesmo assim, conto a história. E recrio o herói.
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